Senado aprova projeto que proíbe ‘saidinha’ de presos em feriados; texto vai à Câmara

O Senado aprovou nesta terça-feira (20) o projeto que acaba com a saída temporária dos presos, conhecida como “saidinha”, em feriados e datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal. A proposta tramita no Congresso desde 2013 e ganhou força nos últimos meses.

Foram 62 votos a favor, 2 contrários e uma abstenção. O governo liberou a bancada para votar como quisesse. Três senadores do PT, entre os quais o líder da bancada, Fabiano Contarato (ES), foram favoráveis à matéria, assim como o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP).

A proposta só permite a saída se o detento for estudar, fazer um curso supletivo, por exemplo.

O texto ainda precisará passar por uma nova votação na Câmara. Só depois de aprovado pelos deputados é que o projeto poderia virar lei.

O projeto é resultado de uma pressão dos parlamentares de oposição, que argumentam que detentos aproveitam a saidinha para fugir da cadeia e praticar outros crimes.

A discussão no Congresso para restringir as saídas temporárias vem desde 2013. A proposta ganhou força depois de o policial militar Roger Dias ser morto por um preso beneficiado pela saidinha em Belo Horizonte, em janeiro.

O relator do projeto, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), inclusive sugeriu que, se o texto virar lei, deve levar o nome “Sargento PM Dias”. Welbert Fagundes, acusado de matar o PM, foi preso novamente e cumpre agora a pena em regime fechado.

Segundo levantamento realizado pelo G1, a saída temporária de Natal de 2023 – a mais recente concedida – beneficiou pouco mais de 52 mil presos. Desses, 95% (49 mil) voltaram às cadeias dentro período estipulado. Os outros 5% (pouco mais de 2,6 mil), não.

Em entrevista à Globo News, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) defendeu o projeto.

“Hoje está muito liberal. As pessoas estão saindo… grande parte volta, mas tem um percentual razoável que continua não voltando, praticando crime, praticando assassinato, e a gente precisa proibir isso definitivamente”, disse.

Quem tem direito ao benefício

Hoje, a saidinha beneficia aqueles que estão no regime semiaberto — que passam a noite no presídio, mas podem sair para estudar ou trabalhar. Vale para o preso com bom comportamento, que tenha cumprido 1/6 da pena se for primário e 1/4 se reincidente. O benefício contempla pessoas que não cometeram crimes hediondos ou graves, como assassinato.

A saída temporária permite que o detento realize:

  • Visitas à família;
  • Cursos profissionalizantes, de ensino médio e de ensino superior; e
  • Atividades de retorno do convívio social.

Geralmente, não há vigilância dos presos que saem, mas, se achar necessário, o juiz pode determinar uso de tornozeleira eletrônica. O projeto, portanto, exclui a possibilidade de o preso visitar a família e participar de atividades para reinserção social.

O detento pode pedir até cinco saídas de sete dias por ano.

O texto mantém a possibilidade da saída para realização de cursos. A sugestão foi do senador Sérgio Moro (União-PR), para quem esta possibilidade já contará como forma de reintegração social.

Críticas à proposta

Para especialistas ouvidos pelo G1, a proposta pode atrapalhar a ressocialização dos detentos.

Nota técnica divulgada na sexta-feira (16) por 66 entidades, incluindo o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), avalia que a proposta “trará enorme impacto financeiro para a União e para os estados” e vai “agravar ainda mais” índices de violência.

Já a Justa — que faz parte das 66 entidades que assinam a nota — realizou em 2022 levantamento que mostra que estados brasileiros gastam, em média, R$ 4.389 com policiamento, mas reservam apenas R$ 1 por preso com políticas exclusivas para ressocialização de presos.

“A extinção da saída temporária iguala o regime semiaberto ao regime fechado, ferindo o princípio da individualização das penas e colocando fim ao retorno gradual da pessoa presa ao convívio social e familiar, o que certamente trará impactos sociais negativos”, diz a nota.

“Não bastasse, o projeto poderá ter um impacto significativamente deletério para a administração prisional, na medida em que a pessoa em cumprimento de pena, sem perspectivas de visitar a família, progredir de regime ou manter-se em regime intermediário, não terá nenhum incentivo a respeitar as regras do direito penitenciário”, conclui.

O projeto também foi criticado à época de sua aprovação pela Comissão de Segurança Pública do Senado. Para o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Defesa da Cidadania — que reúne o Ministério Público Federal (MPF), defensorias públicas (inclusive da União) e entidades da sociedade civil — o projeto é “flagrantemente inconstitucional”.

“As chamadas ‘saidinhas’ são um importante instrumento de ressocialização e reconstrução dos laços sociais, fortalecendo os vínculos familiares e contribuindo para o processo de reintegração social da pessoa em privação de liberdade”, diz o texto do comunicado.

A proposta estabelece que, para progredir para um regime mais leve de cumprimento da pena, o detento precisará passar por exame criminológico, em que profissionais avaliam o estado psicológico do preso.

As 66 entidades também criticaram esse ponto.

“A previsão de exigência para realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime fará com que os processos tramitem de forma ainda mais lenta, contribuindo para a já escandalosa superlotação carcerária. Atualmente, os exames criminológicos demoram, no mínimo, quatro meses para serem elaborados, em razão da precarização das equipes técnicas das unidades prisionais”, diz o documento.

“Além disso, a mudança trará enorme impacto orçamentário para a União e os Estados, que terão que contratar profissionais aptos à realização do exame, o que está sendo desconsiderado na tramitação da proposição”, diz o documento”, completa.

Discussão em plenário

Os líderes do PT, Fabiano Contarato (ES), e do PSB, Jorge Kajuru (GO), tentaram emplacar duas mudanças no texto, mas ambas foram negadas. Uma pretendia incluir ensino de educação básica entre os cursos que podem ser feitos durante a saidinha e determinar que o período do benefício seja o necessário para concluir os estudos.

A outra sugestão, que gerou polêmica entre os parlamentares, era proibir a saída temporária para detentos condenados por crimes inafiançáveis — tortura, tráfico de drogas, ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, entre outros.

O relator, Flávio Bolsonaro, foi contra esta última mudança. O líder do PSD, Otto Alencar (BA), o questionou se milicianos do Rio de Janeiro, como Adriano [da Nóbrega], deveriam ter direito ao benefício. Flávio pediu que Alencar não fosse “leviano”, nem fizesse “fake news”, e disse que a redação do projeto já vedava a saída de traficantes, por exemplo. “Eu não posso entender como o senador Flávio Bolsonaro quer crime hediondos e não quer crimes inafiançáveis. Vossa Excelência quer excluir crime inafiançável. Não tem explicação. Quer excluir quem atentou contra democracia no 8 de janeiro, terrorismo, ameaça ao Estado Democrático de Direito. Vossa Excelência não convenceu”, declarou Otto Alencar.

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